Cobrança de taxa extra pelas escolas particulares

Os fundamentos e os objetivos da república, da ordem econômica e da ordem social na constituição e a cobrança de cota extra na mensalidade de alunos especiais pelas escolas privadas.

 

Por: KEYLA BLANC DE KNOP – Juíza de Direito do TJRJ;

            LUCIANO OLIVEIRA ARAGÃO – Advogado, Mestre em Direito e Professor Universitário.

 

“Primeiro levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.

Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,

Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.

Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.

Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”

Martin Niemoller

 

                        No dia 22 de agosto, domingo, foi veiculado na grande mídia o problema da educação inclusiva no Brasil[1]. Dentre os vários problemas narrados, chamou nossa atenção o fato de que escolas privadas regulares cobram valores extra mensalidade dos alunos com deficiência  em razão dos gastos adicionais  que elas alegam ter para disponibilizar a educação inclusiva.

Diante desta problemática e, como profissionais do direto, resolvemos por publicar uma reflexão desta celeuma a luz das regras contitucionais, principalmente, de direito econômico.

Por certo, o tema pode ser abordado por outros segmentos do direito constitucional como também  infraconstitucional, porém faremos nossa reflexão à luz do direito constitucional econômico.

No Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 verificamos que foi desejo do legislador constituinte originário  para que tenhamos um Estado Democrático de direito é preciso assegurar o exercício dos direitos sociais e o bem estar como valores supremos de uma sociedade fraterna fundada na harmonia social.

O STF na ADI 2.076/AC[2]  consignou que o preâmbulo da Constituição de 1988 não poderia, por si só, servir como parâmetro de controle da constitucionalidade de uma norma, mas poderá auxiliar na interpretação do texto constitucional.

Pois bem, sabemos que a livre iniciativa é um dos fundamentos da Ordem econômica insculpido no art. 170. Isso significa que o Estado não deve restringir a atividade econômica que fica ao livre arbítrio do indivíduo, pois nosso sistema constitucional econômico pautou-se por ser regulatório (art. 174 CF/88).

Contudo, a Constituição  reservou o direito do estado de explorar, diretamente, a atividade econômica (art.173) e também  por meio de concessões, permissões e autorização, a prestação de serviços públicos (art. 175c/c Parágrafo único do art. 170).

                        O caput do art. 209 e seus incisos da CF/88 são cristalinos ao afirmar que o ensino é livre à iniciativa privada, devendo, contudo, obedecer às regras gerais de educação, ser autorizado e ter sua qualidade avaliada pelo poder público. Logo, entende-se que essa liberdade econômica é limitada e pode ser mitigada de acordo com o interesse público, ou seja, a liberdade de empresa é preservada em razão da livre escolha da atividade, porém os meios para o desempenho dessa atividade econômica é que é regulado pelo estado, podendo ser limitado de acordo com os interesses sociais e com exploração sujeita ao poder de polícia estatal.

Mas quais seriam  os princípios constitucionais explícitos e implícitos na ordem econômica constitucional que podem servir de fundamento para o estado limitar ou mesmo mitigar a liberdade econômica?

O princípio do solidarismo expresso no inciso I do art 3° da CF/88, consoante o ensinamento de Leon Duguit[3] significa:

[…] o ser humano nasce integrando uma coletividade; vive sempre em sociedade e assim considerando só pode viver em sociedade […] o fundamento do direito deve basear-se, sem dúvida, […] [no] indivíduo comprometido com os vínculos da solidariedade social. Não é razoável afirmar que os homens nascem livres e iguais em direitos, mas sim que nascem partícipes de uma coletividade e sujeitos, assim, a todas as obrigações que subentendem a manutenção e desenvolvimento da vida coletiva. […] Se uma doutrina adota como lógica definida a igualdade absoluta e matemática dos homens, ela se opõe à realidade e por isso deve ser prescindida.

 

O fundamento da existência digna expresso no inciso III do art 1° e 170 ambos da  CF/88, no conceito de Leonardo Vizeu Figueiredo[4], traduz-se no fato do Estado, direcionar, ao menos em tese, a atividade econômica para a erradicação da pobreza, acabando com as desigualdades e injustiças sociais.

São Tomás de Aquino[5]  previa que em uma sociedade democrática, todos os seres humanos são dignos e têm a mesma importância. Por isso, possuem direitos e deveres iguais não apenas em aspectos econômicos, mas também relativos à saúde, educação, trabalho, direito à justiça e manifestação cultural, assim ele conceituava justiça social.

                               Justiça social[6] é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social.

Desta forma, os Fundamentos da República (inciso III do art. 1° CF/88), os princípios da ordem econômica (art. 170 CF/88),  os objetivos Fundamentais da República (inciso I do art.3°) e os objetivos da ordem social (art. 193 da CF/88) nos autorizam afirmar, de forma inconteste, que o custo a maior que, porventura, as escolas privadas regulares tenham com seus alunos especiais, devem ser incluídos nos seus custos e lançados em suas planilhas para se chegar ao custo global da mensalidade escolar, conforme preceitua o §3° do art. 1° da Lei 9.870/99.

E isso significa dizer que todos os demais alunos de forma indireta estariam rateando os custos a maior da educação inclusiva de alunos com deficiência na rede regular de ensino privado?

A resposta é sim, e isso não é nenhuma novidade no direito constitucional, pois isso é a tradução do princípio do solidarismo expresso no inciso I do art. 3° da CF/88; dois dos objetivos constitucionais da Ordem Social (bem estar e justiça social – art. 193 CF/88) e a finalidade da ordem econômica (assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social – art.170 CF/88).  Outro exemplo que podemos citar, é o caso da seguridade social, que é custeada por toda a sociedade  (art. 195 da CF/88), e também o caso da gratuidade nos transportes para os  idosos (§2° do art. 230) que é  custeada pelos usuários pagantes etc.

Ademais, cabe dizer que o §1° do art. 5° da CF/88 expressa que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação  imediata e, considerando que norma é o conjunto de regras e princípios, tem-se que o expresso no título I da Constituição Federal de 1988 denominado – Dos Princípios Fundamentais – especialmente no inciso III do art. 1° e no inciso I do art. 3°, combinados com os fundamentos da ordem econômica Constitucional  (Existência digna e justiça social) expresso no art. 170 da CF/88, alicerçam a tese aqui esposada.

Por fim, cabe sublinhar que vivemos em uma sociedade democrática, onde vale o direito de maioria, porém sem deixar de respeitar o direito das minorias.

 

[1] http://g1.globo.com/fantastico/quadros/qual-e-a-diferenca/noticia/2015/08/escolas-nao-podem-negar-matricula-criancas-com-sindrome-de-down.html?utm_source=whatsapp&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=share-bar

[2] ADI 2.076/AC. Relator Min. Carlos Veloso. j 15/08/2002.

[3] DUGUIT, Pierre M. N. Léon. Fundamentos do Direito. São Paulo: Ícone, 1996, p. 15/17.

[4] FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de Direito Econômico. Rio de Janeiro. Ed. Forense,2010, p.63.

[5] http://www.brasil.gov.br/meio-ambiente/2010/01/justica-social, acessado em 28/08/2015.

[6] https://pt.wikipedia.org/wiki/Justi%C3%A7a_social. Acessado em 28/08/2015.

1 Comentário

  • zyj cidadão

    Infelizmente, não é essa a realidade dos julgados do TJRJ, nos JEC´s e Turmas recursais.
    Lamentável.
    Nos resta a indignação, pois justiça técnica não há.

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