A Função Social do Contrato serve apenas para beneficiar a parte em posição de desvantagem?

A Função Social do Contrato serve apenas para beneficiar a parte em posição de desvantagem?

Não necessariamente. Em primeiro lugar, é preciso estabelecer qual será a ótica utilizada pelo observador para examinar o contrato.

Sob a ótica do direito do consumidor, a interpretação é sempre aquela favorável ao consumidor por força de imperativo legal (art. 47[1] do CDC). Isso se dá pela presunção de hipossuficiência do mesmo nas relações contratuais de consumo. É o que se observa no art. 4º, I do Código de Defesa do Consumidor, que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

Ainda no aspecto do direito do consumidor, tal proteção deriva de disposição constitucional, por força dos art. 5º, XXXII[2] e art. 170, V[3] da CFRB/88.

Sob esse prisma, pode-se dizer que a função social do contrato nas relações consumeristas irá ser preenchida sempre que o consumidor obter a efetiva satisfação da pretensão que possuía ao realizar aquele contrato, seja a prestação do serviço ou a entrega do produto, sem violação de qualquer de seus direitos.

Por outro lado, nas relações empresariais, outro é o prisma sob o qual se analisará o contrato. Não apenas suas cláusulas, mas também, naturalmente, em como se dará a realização de sua função social.

O enunciado 26 da I Jornada de Direito Comercial estabelece que: ‘’O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial.’’

Desse enunciado, o que se extrai é que a função social do contrato empresarial, a grosso modo, se refere mais ao aspecto externo do contrato (os efeitos que a realização daquele contrato terá na esfera daqueles alheios à relação contratual), buscando tutelar os  interesses dos terceiros que não figuram como parte. Em outras palavras, nas relações contratuais empresariais, o que se busca através da função social é impedir que aquele contrato interfira, de modo negativo, nos interesses dos terceiros não-contratantes.

Vale dizer que a função social do contrato também tem dimensão interna, sendo de observância obrigatória pelas partes quando do exercício de suas posições contratuais.

De forma mais objetiva, a ratio da função social do contrato, seja a relação contratual de qualquer natureza, não é obrigatoriamente beneficiar a parte menos favorecida.  O seu papel, na verdade, é evitar que o contrato seja exercido de forma a desconsiderar direitos fundamentais e interesses legítimos tanto das partes quanto de terceiros. É dizer, afastar o exercício abusivo e desmedido de posições contratuais que impliquem em ferimento a direito e interesse alheios.

Em sua dimensão prática, a função social do contrato será exercida de acordo com as peculiaridades de cada caso. É bem verdade que ela poderá, como ocorre na maioria dos casos, auxiliar na tutela da parte em desvantagem contratual frente ao exercício abusivo do direito daquele em posição contratual mais vantajosa, por assim dizer. Contudo, isso deriva da própria relação de poder, assim como o credor se encontra em posição mais vantajosa em relação ao devedor, que deriva da natureza da relação obrigacional-contratual, e não do instituto da função social.

Assim, ainda que, a priori, determinada parte possa parecer em desvantagem em dado contrato, a função social irá impedi-la de realizar qualquer ato que possa vir a prejudicar terceiros ou os direitos da outra parte.

Portanto, o exercício da função social não se liga à posição contratual, mas sim à tutela de direitos e interesses legítimos que possam vir a ser ameaçados ou restringidos por um contrato.

A título de curiosidade, a relação de poder que entre credor-devedor é abordada de maneira filosófica por Friedrich Nietzsche em seu livro ‘’Genealogia da Moral’’, onde analisa as relações entre credores e devedores desde a antiguidade.

Em conclusão, a função social do contrato, seja em seu aspecto interno ou externo, busca tutelar os direitos fundamentos e interesses legítimos de todos os sujeitos de direito, sejam eles terceiros ou parte. Dessa forma, não se pode dizer que tal função é destinada apenas a um ou outro, muito menos dizer que sua finalidade é a proteção daquela parte tida como em desvantagem.

Isso porque a função social do contrato se molda às peculiaridades de cada caso concreto. Reitera-se que, na prática, é comum que se veja sua utilização por aquelas partes em desvantagem para a proteção de seus direitos, porém, isso decorre não do instituto jurídico, mas da própria relação de poder inerente às relações contratuais, onde o credor naturalmente se encontra em posição de exigir algo do devedor, e, por consequência lógica, tem mais instrumentos para exercer e requerer seu direito.

 

Jorge Luciano de Jesus Aragão

Graduando em Direito pela PUC-RJ

Rio de Janeiro, 01 de fevereiro de 2019

 

[1] Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

[3] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[…]

V – defesa do consumidor;

2 Comentários

  • Fábio Freitas

    È pra ficar orgulhoso sim amigo, belo trabalho!!!!!’

  • Mario Rivera

    Excelente texto!!!
    Parabéns.

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