O Princípio da Confiança nos Contratos se configura com o Estudo do Comportamento adotado pela outra parte

“Poder confiar” é condição básica de toda convivência pacífica; sendo assim, a ausência de tutela da confiança e das expectativas legítimas criadas por atos comunicativos desestabilizaria todo tipo de interação humana. Confia-se que o modo de agir dos sujeitos seja  compatível  com  aquele  socialmenteesperável.

 

O princípio da confiança tem o objetivo de proteção da confiança depositada pelos sujeitos no decorrer da relação jurídica.

 

O princípio da boa-fé mostra-se fundamental para a concretização da  tutela  da  confiança;  nas relações jurídicas, deve-se ter a certeza de que há veracidade nos atos dos indivíduos. Apesar disso, o princípio da confiança transcende a boa-fé, refletindo-se no Direito de uma forma geral. Ou seja, o princípio da confiança  promove a  previsibilidade do Direito, assegurando que a fé na palavra dada   não é infundada.

 

Assim como a boa-fé objetiva é fruto de solidarização do direito, a tutela da confiança valoriza o aspecto social do exercício dos direitos, uma vez que os efeitos das condutas individuais já não dependem exclusivamente da vontade do agente  e dos  requisitos formais, mas também dos  reflexos que tais condutas tenham sobre os terceiros. Há uma alteração no foco do Direito; o que  antes voltava-se para a fonte das condutas, hoje prioriza seus efeitos fáticos. Nesse sentido,

 

… ao impor sobre todos um dever de não se comportar de forma lesiva aos interesses e expectativas legitimas despertadas no outro, a tutela da confiança revela-se, em um plano axiológico-normativo, não apenas como principal integrante do conteúdo da boa-fé objetiva, mas também como forte expressão da solidariedade social… (SCHREIBER 2007, p. 95)

 

Para Menezes Cordeiro, a confiança, como objeto da reflexão jurídica, exprime

 

 

a situação em que uma pessoa adere, em termos de actividade ou de crença, a certas representações passadas, presentes ou futuras, que tenha por efectivas. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação e a sua tutela. (2001, p. 897)

 

O direito brasileiro não explicitou positivamente o princípio da confiança como um princípio independente. Não obstante, há situações nas quais é latente a tutela  daquele que confiou,  de forma  que tal proteção se sobreponha à autonomia daquele que provocou o fato prejudicial, ainda que não  haja remissão expressa à  confiança.

Há forte aproximação entre os conceitos do princípio da confiança  e a  boa  fé;  o traço distintivo é  que, na boa-fé, a reciprocidade é indispensável. No atual estágio de desenvolvimento jurídico, a confiança e a boa-fé objetiva chegam a ser confundidas. Neste sentido, Menezes Cordeiro afirma:

 

…a consagração dos dispositivos gerais, implícitos no dever atuar de boa-fé e no exercício inadmissível de posições jurídicas, capazes de, nalgumas das suas facetas mais significativas, proteger a confiança, demonstram, nesta, um vetor genérico. Mas dão, também, o tom da generalização possível: a confiança, fora das normas particulares a tanto dirigidas, é protegida quando, da sua preterição, resulte atentado ao dever de atuar de boa-fé ou se concretize um abuso de direito. (2001, p. 901)

 

Apesar de não previsto expressamente no ordenamento jurídico e,  mesmo que ainda confundido com   o princípio da boa-fé, como acima relatado, os tribunais brasileiros têm se valido do conceito de confiança e reconhecido a necessidade de sua  tutela,  embora não com a frequência almejada. Veja-se:

 

Com efeito, tendo em vista a dimensão social e econômica alcançada pelas relações obrigacionais, espera-se das partes cooperação e confiança na realização dos negócios jurídicos. Atuam aí os princípios da proteção da boa-fé objetiva criando deveres de cooperação, informação e lealdade e, fundamentalmente, da confiança vinculando as partes à não frustrar imotivadamente as expectativas legítimas criadas por sua conduta. Explica a doutrina: “Considerados individualmente, pode-se dizer que os deveres de lealdade constringem as partes a não praticar atos (comissivos ou omissivos), anteriormente à conclusão do contrato, durante a vigência dele ou até após a sua extinção, que venham frustrar as legítimas expectativas encerradas no ajuste, ou dele legitimamente deduzidas. (FERREIRA DA SILVA, Jorge Cesa. p. 112; MENEZES CORDEIRO, 1986, pp. 606-607.apud Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul – Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/verjur.asp?art=189 – grifo nosso)

 

A confiança a ser tutelada é a que se pode considerar legítima, isto é, deve ser justificada,  objetivamente criada. Neste sentido, ensina Anderson Schereiber:

 

Não basta, todavia, o estado de confiança; é preciso que tal confiança seja legítima (…) O nemo potest venire contra factum proprium também não tutela a confiança do deslumbrado, que obtém financiamentos a juros elevados e adquire bens de alto valor, por conta dos resultados oriundos de uma futura contratação que ele tem como certa a partir de um convite para almoçar. (2007, p.134)

 

Veja-se a aplicação do conceito de confiança legítima em decisão do Tribunal Regional do Trabalho   do Rio Grande do Sul:

 

Há, assim, estreita ligação entre eficácia de vinculação das promessas e demais negócios unilaterais e o princípio da confiança. Observe-se a doutrina: “Trata-se, evidentemente, de uma confiança adjetivada a confiança legítima (também dita “expectativa legítima”). O qualificativo “legítima”, aposto à idéia de confiança ou de expectativa confere objetividade ao princípio, afastando-o das puras especulações psicológicas. (…) Assim objetivada e dotada que é de conteúdo moral e de relevância econômica, a confiança acaba por compor o núcleo do Direito dasObrigações atual e, vinculada que é à boa-fé objetiva, transforma-se em fonte de eficácia jurídica, servindo, também como fundamento da vinculabilidade dos negócios jurídicos. (Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul – Disponível em: http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/verjur.asp?art=189)

 

O estado de confiança somente poderá ser verificado no caso concreto. A doutrina fala em  indícios     da adesão ao factum proprium pelo confiante. Normalmente, quando se observa um prejuízo, tem-se indício que o confiante, em algum momento, aderiu à conduta inicial. Outros indícios que podem ser observados são a efetivação de despesas em razão desta conduta, ou, ainda, a publicidade das expectativas geradas em torno dela.   Contudo, os indícios da legítima confiança não são cumulativos    e “a falta de algum deles pode ser suprida pela intensidade especial que assumam os restantes”.(MENEZES  CORDEIRO, 2001, p. 759)

 

Vimos que a confiança legítima é baseada em fatores objetivos, mas não se pode  ignorar completamente o estado de espírito da pessoa que confiou. Conclui Magda Mendonça Fernande:

 

O que não podemos concordar é com o entendimento que protege, sem mais, nomeadamente sem analisar o estado de espírito de quem confiou, aconfiança objectivamente criada. E isto porque, em primeiro lugar, mesmo os Autores que pugnam pelo carácter objectivo da confiança não deixam de reconhecer que a tais “elementos objectivos” deverá ainda ser aditado um elemento subjectivo: o confiante deve ignorar a “instabilidade” do factum proprium sem ter deixado de cumprir com os seus deveres de indagação que cabem no caso concreto. Esta ideia estáintimamente conectada com o requisito da justificação da confiança.

 

Tanto significa que o confiante só é merecedor de tutela jurídica, se o confiante efectivamente aderiu ao facto gerador da confiança. Ora, se assim é, arriscamos entender que a confiança que deverá relevar neste campo não é a objectiva, mas antes a subjectiva. (2008, p. 34)

 

O que se espera do confiante, para verificar o estado de confiança, é que tenha agido ou deixado de   agir em razão da expectativa criada pelo factum proprium, ou seja, que tenha  ocorrido  um investimento do confiante em razão do comportamento da outra  parte. Ressalta-se  que, apesar ser  mais fácil verificá-lo e este seja mais comum, não necessariamente esse investimento tem que ser econômico.  Vejamos:

 

Sendo a confiança gerada de forma justificada, temos então um investimento de confiança, isto é, a parte que confia, com base na expectativa criada pela outra parte, desenvolve certa actividade ou omite certo acto. Este investimento deve naturalmente ser irreversível, o que sucederá quando a outra parte, com base na situação de confiança criada, organizou planos e tomou opções de vida que, caso a sua confiança venha a ser frustrada nos resultados de tais opções, a farão incorrer em danos não removíveis de outra forma(…). Mas o investimento desenvolvido pela outra parte não tem necessariamente que adquirir carácter económico para que se verifique o pressuposto.Entender de outro modo excluiria, injustificadamente, uma ampla panóplia de casos em que a parte induzida a acreditar que o negócio é querido por ambas as partes e será concluído faz investimentos de outra monta, até familiares, sociais e morais. (FERNANDES, 2008, p. 36)

 

Enfim, não se pode confundir a legítima confiança com a crença romântica no comportamento de outrem.

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