Redução dos Preços pela Petrobras: O Interesse Social e os Deveres do Acionista Controlador de Sociedade Mista

O país vive, desde o dia 18 de Maio, a greve dos caminhoneiros, um verdadeiro Estado de Exceção. Desde então, vemos cenas caóticas nos noticiários, e sofremos com a aflição de não saber qual será o próximo produto a sair de estoque. Filas nos pouquíssimos postos onde ainda existe combustível, falta de verduras nos supermercados e até a paralisação de hospitais em razão da falta de insumos para a realização de tratamentos, cirurgias, ou gasolina para as ambulâncias.

A manifestação teve início com a reivindicação dos caminhoneiros pela redução dos impostos que incidem sobre o preço da gasolina, além de se insurgirem também contra o reajuste diário de preços feito pela Petrobrás, reajuste que provém da nova política de preços da Companhia, aprovada em 29/06/2017 e divulgada no dia seguinte.

Com o passar dos dias, e o agravamento da situação, tratativas entre o governo e a companhia acerca do preço dos combustíveis se iniciaram. A Petrobras, no dia 23/05, publicou fato relevante informando a redução em 10% do preço do Diesel. No dia seguinte à publicação, a empresa anunciou estimativa de que tal redução importaria em um impacto de vultuosos R$ 350 milhões em sua receita¹.

A partir disso, muitas críticas surgiram em relação à medida.

Do ponto de vista jurídico, a  crítica que surge em relação à deliberação de redução de preços vem baseada no artigo 115 da Lei das Sociedades Anônimas, que diz:

”Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas.”

Teria o Estado, como acionista controlador da Petrobras, em razão da mesma ser sociedade mista, descumprido com seu dever de votar no interesse da Companhia? Afinal, não há como se considerar que uma deliberação que provoque rombo de R$350.000.000,00 na receita da Petrobras tenha sido feita em seu interesse. Teria, afinal, ocorrido exercício abusivo do direito de voto pelo Estado? Teria o Estado, consoante o parágrafo 3º do mesmo artigo, o dever de indenizar a Petrobras?

Antes de responder a essas perguntas, cabe exame mais aprofundado e específico sob a questão em tela. O parágrafo único do artigo 116 da Lei 6.404/76 trata dos deveres do acionista controlador. Vejamos:

”Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”.

Assim, o acionista controlador tem deveres não só perante à companhia, como também perante à comunidade onde a companhia atua, devendo atender e respeitar os direitos e interesses desta. A Petrobras atua em todo o território nacional e, portanto, considera-se todo o país como comunidade onde a Petrobras atua. Outro dispositivo da mesma lei, que merece atenção, e trata mais especificamente das sociedades mistas, é o artigo 238, ipsis litteris:

”Art. 238. A pessoa jurídica que controla a companhia de economia mista tem os deveres e responsabilidades do acionista controlador (artigos 116 e 117), mas poderá orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação.”

Dessa forma, o acionista controlador de sociedade mista não só tem o dever de usar seu poder de controle com o fim de que a companhia cumpra sua função social e atenda os direitos e interesses da comunidade onde atua, como deve, também, atender ao interesse público que justificou a sua criação.

Trazendo os dispositivos acima para o caso concreto, vemos que, ainda que em detrimento de interesse da Companhia, e, dado a gravidade da situação caótica vivida nos últimos dias, agiu o Controlador da Petrobras, ao deliberar a redução do preço do diesel, visando não só atender o interesse público de criação da Petrobras, qual seja a exploração de recursos naturais para a produção de insumos indispensáveis para a sociedade, como o combustível, como também o respeito aos interesse da comunidade de atuação da Companhia: o Brasil inteiro. Não se poderia exigir conduta diversa do acionista controlador. A cada aumento diário dos preços, mais se piorava a situação do País. Ao revés, tivesse o acionista controlador posto os interesses da companhia em primeiro lugar, buscando o lucro, teríamos uma situação de afastamento da Petrobras da própria sociedade.

É fato que os interesses sociais devem ser observados nas deliberações. Porém, em casos extremos como o que vivemos, e ainda mais se tratando de sociedade mista que tem o monopólio das refinarias, qualquer deliberação que visasse estritamente o interesse de lucro dos acionistas sem se preocupar com os impactos extra societas que teria a deliberação, seria desobediência às normas do artigo 238 e do parágrafo único do 116.

Não vivem as sociedades em realidade paralela. O Interesse social deve, na grande maioria dos casos, guiar suas deliberações, mas os impactos de suas deliberações na comunidade jamais podem ser afastados de suas decisões. É esse o entendimento trazido pela própria Lei.

Ainda que tenha trago prejuízo considerável à Companhia, a decisão de redução tomada pela Petrobras foi, na verdade, uma tentativa de amenizar e melhorar a situação vivida no País. Deliberar de forma diferente seria fechar os olhos à realidade dos fatos e tornar a companhia alheia à comunidade onde se insere.

Resta claro, portanto, que não houve qualquer exercício abusivo do direito de voto na deliberação pela redução dos preços, e, portanto, inexiste qualquer dever de indenizar.

Por fim, o que pode ser depreender do caso é que as deliberações sociais das SA, não apenas das sociedades mistas, não têm e nem devem ter como norte apenas os interesses da própria Companhia. É nesse sentido que a lei se posiciona ao atribuir o dever atender o interesse público ao controlador das sociedades mistas e o cumprimento da função social, além de dever respeito aos direitos e interesses de indivíduos fora da sociedade, no exercício de seu poder de controle, aos acionistas controladores das demais formas de SA.

 

Jorge Luciano de Jesus Aragão

Acadêmico de direito da PUC/RJ

Estagiário no escritório Luciano Aragao Advocacia Empresarial.

26/05/2018

 

¹ – http://www.agenciapetrobras.com.br/Materia/ExibirMateria?p_materia=980274

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