Sentença Rebus Sic Stantibus

A força vinculativa das sentenças sobre relações jurídicas de trato continuado atua rebus sic stantibus: sua eficácia permanece enquanto se mantiverem inalterados os pressupostos fáticos e jurídicos adotados para o juízo de certeza estabelecido pelo provimento sentencial. A superveniente alteração de qualquer desses pressupostos determina a imediata cessação da eficácia executiva do julgado, independentemente de ação rescisória ou, salvo em estritas hipóteses previstas em lei, de ação revisional.

Esses casos são comuns no dia a dia forense, principalmente em ações de alimentos e ações civis públicas que têm por suporte probatório um ICP – inquérito civil público cuja ambiência fática se altera de tempos em tempos.

Isso também se aplica aos casos de execução de TAC – TERMOS DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA firmados com o Ministério Público sob certa ambiência fática que se encontra alterada.

Nesses casos, não se aplica a imutabilidade da coisa julgada, pois se trata de relação de trato continuativo e, por isso, mutante.

Assim sendo forçoso concluir-se que há determinadas decisões judiciais que estão protegidas pelo instituto da coisa julgada, mas podem vir a ser modificadas em um momento futuro, tendo em vista que o próprio comando sentencial é proferido levando em consideração o contexto fático do momento, de maneira que, se sobrevier alteração na situação de fato que serviu de base para a sentença, o conteúdo mandamental da sentença tem que ser alterado, o que não se dá por meio da alteração da decisão que transitou em julgado, mas por meio de um novo título judicial.

A relação jurídica continuativa, na visão de Humberto Theodoro Júnior, se dá naquelas situações de julgamento rebus sic stantibus, como é típico o caso de alimentos. A sentença, baseando-se numa situação atual, tem sua eficácia projetada sobre o futuro. Como os fatos que motivaram o comando duradouro da sentença podem se alterar ou mesmo desaparecer, é claro que a eficácia do julgado não deverá perdurar imutável e intangível. Desaparecida a situação jurídica abrangida pela sentença, a própria sentença tem que desaparecer também. Não se trata, como se vê, de alterar a sentença anterior, mas de obter uma nova sentença para uma situação também nova. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Vol. I. 41ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.p.503)

 

Para Nelson Nery Júnior, “A coisa julgada material se forma sobre a sentença de mérito, mesmo que contenha decisões sobre relações continuativas. Essa sentença “que aprecia um feito cujo suporte é constituído por relação dessa natureza, atende aos pressupostos do tempo em que foi proferida, sem, entretanto, extinguir a própria relação sujeita às variações de seus elementos(…). Isso porque essa sentença traz ínsita a cláusula rebus sic standibus, de sorte que, modificadas as situações fáticas ou jurídicas sobre as quais se formou a anterior coisa julgada material, tem-se uma nova ação, isto é, com a nova causa de pedir”.

 

Dessa forma, os fundamentos que vão autorizar a revisão é a própria teoria da imprevisão, pois se trata mesmo de uma “revisão” a partir do momento que vão buscar na cláusula rebus sic standibus o fundamento. Modificada a situação sobre a qual foi proferida, possível a interposição da nova ação, agora sim em razão da relação jurídica continuativa. Por fim, se a sentença resolve a lide tornando-a em certo momento imutável (o conteúdo) com a modificação da situação de fato e de direito, faz sucumbir a decisão que teve sua ambiência alterada.

 

A esse respeito, oportuno trazer os ensinamentos do Professor Vicente Greco filho:

Todavia, o momento em que ocorre a coisa julgada e as condições de sua efetivação dependem da lei processual e da lei material, mesmo porque há relações jurídicas que, dada a sua natureza, impõem a possibilidade de revisão, como as acima referidas, de modo que as sentenças, nesses casos, são dadas rebus sic stantibus (segundo as condições da situação no momento em que são proferidas). (GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. Vol. 2. 17ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006).

 

Para Fredie Souza Didier Júnior, temos o seguinte:

A lei admite a revisão da sentença, embora transitada em julgado, por haver sobrevindo modificação no estado de fato ou de direito, por meio da chamada ação de revisão. A nova sentença não desconhece nem contraria a anterior. Sucede que toda sentença preferida em tais situações contém em si a cláusula ‘rebus sic stantibus’, adaptando-se ao estado de fato e ao direito supervenientes. A sentença fará coisa julgada material normalmente(DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Cognição, construção de procedimentos e coisa julgada: os regimes de formação da coisa julgada no direito processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 58, ago. 2002)

Sobre o assunto, segue também a lição dos juristas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

A sentença espelha os fatos e o direito que serviram como seus fundamentos, de maneira que, alterados os fatos ou o direito, modificada estará a causa de pedir, e por consequência a ação. Em outros termos: a alteração das circunstâncias de fato constitui alteração da causa de pedir, formando outra (nova) ação e abrindo ensejo a outra (nova) coisa julgada. (…) Portanto, não é correto dizer, apenas porque as circunstâncias que fundaram a sentença podem variar, que não se forma coisa julgada em relação a ela, ou, o que é pior, que esta não transita em julgado. Não há aqui que se falar em ofensa à coisa julgada, já que a nova ação (proposta com base em nova causa de pedir) ainda não foi examinada pela jurisdição. (MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006).

Porquanto, fique atento a execução reiterada de sentenças em relação jurídica de trato continuativo, vez que a eficácia executiva do julgado nestes processos cessão imediatamente com a alteração da situação fática sobre a qual se apoiou o decreto Judicial.

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