Entrevista com a revista Península: Dever jurídico dos credores e pandemia.

REVISTA: ARAGÃO, há um dever jurídico em renegociar as obrigações assumidas antes da pandemia por parte dos credores?

 

                              O Código Civil expressa que ninguém está obrigado a aceitar em partes o que contratou por inteiro, ainda que o montante seja mais valioso. O princípio constitucional da Legalidade diz que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

                              Porém, o direito adquirido na modalidade de ato jurídico perfeito e acabado como, por exemplo, nos contratos firmados entre as partes cujo objetivo é lícito, a forma está prevista em lei, as partes são capazes e em pleno uso, gozo e fruição de seus direitos e sobre qual não repousa nenhum dos vícios do negócio jurídico previsto em lei, sobretudo a manifestação livre e consciente das vontades, pode sim, em tempos de crise, ser suspenso, mitigado ou flexibilizado, pois na crise a garantia e a proteção são para o direito de todos, sobrepondo a qualquer outro e isto em razão da imprevisibilidade da força maior da COVID-19.

                              Em tempos de crise, o Direito não pode aceitar ou tolerar como normal, em nome da segurança jurídica do ato jurídico perfeito, ou mesmo do direito adquirido (posto que já incorporado ao patrimônio jurídico do cidadão), pactos que se tornaram onerosamente excessivos, de cumprimento impossível e, porquanto, arbitrários e intoleráveis, de prestações desproporcionais, desequilibradas e inadequadas à nova realidade e de relações contratuais que se tornaram assimétricas, em nome da imutabilidade constitucional dos direitos adquiridos como garantia da confiança do jurisdicionado no estado de direitos. Ainda que vivamos em uma sociedade de risco, por em tempos de exceção, em razão da preservação do direito do todo, se justifica o sacrifício necessário e adequado das expectativas criadas em tempos de normalidade pelos cidadãos como forma de compensação proporcional das desigualdades criadas pela crise.

                              Nota-se então que a teoria dos direitos adquiridos, segundo Nazaré da Costa Cabral, é, antes de tudo, uma teoria de aplicação das leis no tempo, dando ao jurisdicionado a confiança legítima de que o que fora internalizado no seu patrimônio jurídico sob a vigência de determinada lei, seria respeitado por leis futuras.

                              Contudo, isso não quer dizer que esses direitos não possam ser temporariamente suspensos ou mitigados como forma de compensação necessária, adequada e proporcional das desigualdades criadas por uma crise, visto que, mesmo o direito tendo a função de proteção do cidadão a riscos futuros, desde que previsíveis e evitáveis, não tem a condição de manter íntegros e ilesos direitos adquiridos quando do advento de crises criadas por fatos imprevisíveis e inevitáveis, durante o tempo necessário para que a Medicina, a Política a Economia, o Direito e a Diplomacia criem mecanismos para extirparem a crise no cenário nacional e/ou mundial.

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